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DEEPFAKES E OS RISCOS À CONFIANÇA DIGITAL: DESAFIOS JURÍDICOS, FINANCEIROS E INSTITUCIONAIS

O avanço das técnicas de geração de imagens e vídeos por inteligência artificial trouxe não apenas aplicações inovadoras, mas também um campo fértil para práticas ilícitas. Entre os usos mais preocupantes estão os golpes financeiros, nos quais criminosos utilizam conteúdos falsificados para simular reuniões virtuais ou autorizações corporativas, induzindo empresas a realizar transferências milionárias para contas fraudulentas. Estimativas indicam prejuízos de dezenas de milhões de dólares associados a esse tipo de fraude.

Além do impacto econômico, a manipulação digital de vozes e imagens tem sido explorada em contextos de desinformação e até mesmo como instrumento de guerra psicológica. A criação de vídeos falsos envolvendo líderes políticos já foi usada para tentar influenciar percepções públicas e abalar a confiança em instituições, o que acendeu alertas em órgãos de segurança de diferentes países.

No campo privado, a apropriação indevida da imagem de figuras públicas em conteúdos publicitários ou em materiais de natureza íntima expõe não só os alvos diretos, mas também usuários comuns, que se tornam mais suscetíveis a golpes baseados em campanhas enganosas. Esse tipo de prática levanta sérias questões sobre direitos de personalidade e responsabilidade civil.

Desafios jurídicos e tecnológicos

A popularização das ferramentas de edição, somada à ausência de regulação específica em muitas jurisdições, aumenta a vulnerabilidade de indivíduos e organizações. Embora existam normas gerais de proteção de dados e mecanismos de tutela da honra e da imagem, a sofisticação das manipulações digitais exige respostas jurídicas e técnicas mais rápidas.

Do ponto de vista tecnológico, pesquisadores e empresas vêm desenvolvendo métodos para atestar a autenticidade de conteúdos digitais. Entre eles estão a marcação digital (watermarking), o uso de metadados criptográficos e até aplicações baseadas em blockchain. Também há investimento em sistemas de detecção apoiados em aprendizado de máquina, capazes de identificar padrões de manipulação, ainda que sujeitos a limitações de precisão e vieses.

Prevenção e conscientização

Nenhuma solução, isoladamente, é suficiente. O enfrentamento das deepfakes passa pela combinação de medidas legais, tecnológicas e educativas. A promoção da literacia digital é indispensável para que usuários consigam identificar indícios de manipulação e desconfiar de mensagens e conteúdos suspeitos. No ambiente empresarial, políticas internas de validação de transações financeiras e protocolos de segurança em comunicações virtuais podem reduzir os riscos de fraudes.

Mais do que uma ameaça ao patrimônio ou à reputação, as deepfakes representam um desafio de confiança no ambiente digital. Cabe ao direito, à tecnologia e à sociedade encontrar mecanismos que protejam a integridade das informações e a dignidade das pessoas diante dessa nova fronteira de manipulação.

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EXPOSIÇÃO DE CHAVES PIX E A FRAGILIDADE DA SEGURANÇA DIGITAL NO SISTEMA BANCÁRIO

Os recentes episódios envolvendo a exposição de dados ligados ao Pix no Brasil trouxeram à tona não apenas falhas técnicas, mas também dilemas regulatórios e jurídicos que merecem análise cuidadosa. Ainda que as comunicações oficiais insistam em minimizar o alcance das ocorrências — alegando que apenas dados cadastrais foram expostos —, é inegável que tais informações constituem matéria-prima valiosa para golpes digitais sofisticados.

Entre março e julho de 2025, diferentes incidentes mostraram a vulnerabilidade de múltiplas frentes: desde vazamentos em fintechs, falhas em sistemas oficiais até ataques cibernéticos com participação de agentes internos. As situações variaram em gravidade, mas todas convergem para um ponto comum: a exposição de dados bancários, mesmo sem senhas ou saldos, compromete a confiança pública e amplia o campo de ação de fraudadores.

Esses fatos permitem identificar ao menos três níveis de risco:

  1. Exposição acidental ou falha operacional — vazamentos decorrentes de erros técnicos ou de processos de segurança mal implementados.
  2. Fragilidade em sistemas institucionais — falhas em plataformas oficiais que concentram grandes volumes de informações.
  3. Ação interna maliciosa e ataques estruturados — situações em que a combinação de agentes internos e técnicas avançadas amplia o potencial de fraude.

Do ponto de vista jurídico, a Lei Geral de Proteção de Dados é clara ao impor, no artigo 46, o dever de adoção de medidas eficazes de segurança da informação. Paralelamente, normas editadas pelo Banco Central exigem que o cliente seja informado imediatamente e por canais oficiais sobre qualquer incidente que envolva sua chave Pix. Tal obrigação dialoga tanto com o princípio da transparência da LGPD quanto com o dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.

O descumprimento desses deveres atrai a atuação de diferentes esferas regulatórias: a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, o Banco Central e o Poder Judiciário. Além disso, a responsabilidade civil das instituições financeiras é, por natureza, objetiva. A Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que as instituições respondem até mesmo por fraudes cometidas por terceiros quando relacionadas a falhas de segurança, o que inclui os vazamentos de dados cadastrais.

A leitura de que informações como nome, CPF, número de agência e conta seriam inofensivas não se sustenta diante da realidade criminológica. Esses dados, quando combinados com técnicas de engenharia social, são suficientes para:

  • induzir vítimas a transferências falsas via aplicativos de mensagem;
  • viabilizar a abertura de contas fraudulentas;
  • alimentar golpes envolvendo boletos adulterados;
  • explorar autenticações simplificadas em plataformas digitais.

A responsabilidade das instituições não se limita à prevenção. Uma vez ocorrido o incidente, impõe-se uma atuação diligente, que inclua comunicação imediata aos clientes, disponibilização de ferramentas de monitoramento, reforço dos protocolos de autenticação e plena cooperação com autoridades investigativas. A omissão ou a demora nesse processo intensificam a responsabilização civil e corroem a confiança do consumidor.

O Pix consolidou-se como um marco de inovação no sistema financeiro brasileiro, mas sua solidez depende da capacidade de mitigar riscos e preservar a confiança social. A afirmação de que “dados sensíveis não foram atingidos” não é suficiente. Qualquer dado pessoal que possa servir de base para fraude deve receber tratamento preventivo e corretivo adequado.

Em última análise, a resposta esperada das instituições vai muito além de comunicados formais. É necessário investimento contínuo em segurança digital, governança responsável e mecanismos efetivos de reparação. A inovação financeira só se sustenta quando caminha lado a lado com a proteção de dados pessoais e o respeito ao consumidor.

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A VIRADA NO REGIME JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE DAS PLATAFORMAS DIGITAIS NO BRASIL

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal que declarou a inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet inaugura uma etapa de forte impacto no modo como o país lidará com a moderação de conteúdos digitais. Ainda sem a publicação do acórdão, paira considerável incerteza quanto à extensão prática da tese fixada, mas já é evidente que a lógica estabelecida até então sofreu um redirecionamento.

Desde sua origem, o Marco Civil buscava reproduzir um equilíbrio inspirado no modelo norte-americano do safe harbor, estabelecendo que as plataformas só responderiam por conteúdos ilícitos de terceiros mediante descumprimento de ordem judicial. Antes disso, vigorava a lógica da notificação extrajudicial, que transferia às empresas a responsabilidade de avaliar a legalidade de publicações.

O que agora se anuncia é uma inflexão: embora para crimes contra a honra ainda seja exigida decisão judicial, nos casos de delitos mais graves — como pornografia infantil, crimes de ódio, terrorismo e violência contra a mulher — passa a existir um dever imediato de remoção, sem necessidade de ordem judicial. O descumprimento desses deveres será interpretado como “falha sistêmica” na moderação, conceito que abre caminho para a responsabilização civil das plataformas.

Essa mudança aproxima o Brasil de modelos regulatórios europeus. Em países como a Alemanha, a Lei NetzDG, em vigor desde 2018, impõe a remoção de conteúdos “obviamente ilegais” em até 24 horas após denúncia, com prazos maiores para casos mais complexos. Além disso, exige relatórios de transparência, canais de denúncia acessíveis e representantes locais das plataformas. O não cumprimento pode resultar em multas milionárias.

A experiência alemã revelou avanços e dificuldades. O aumento expressivo de denúncias contrasta com uma taxa relativamente baixa de remoções efetivas, demonstrando a complexidade de identificar violações diante do volume massivo de conteúdo. A isso se soma o risco de overblocking, quando empresas retiram publicações preventivamente para evitar punições, restringindo indevidamente a liberdade de expressão.

Mais recentemente, a União Europeia consolidou no Digital Services Act (DSA) um modelo mais abrangente, impondo obrigações de transparência, auditorias independentes e avaliações periódicas de riscos sistêmicos, como disseminação de desinformação ou ameaças eleitorais. O DSA ainda diferencia responsabilidades de acordo com o porte e o tipo de plataforma, buscando maior proporcionalidade regulatória.

No Brasil, a aplicação da tese do Supremo demandará das empresas políticas internas consistentes, treinamento especializado e adoção de tecnologias avançadas de monitoramento e análise. Não se trata apenas de atender às exigências legais, mas também de preservar a confiança dos usuários e a integridade do debate público.

O grande desafio será traduzir tipos penais em protocolos objetivos, capazes de guiar a atuação de moderadores e sistemas automatizados, sem cair no risco de transferir integralmente às plataformas o papel de julgadoras — algo que sempre motivou cautela no modelo do Marco Civil.

O momento exige, portanto, um redesenho cuidadoso das práticas de moderação, em diálogo com referências estrangeiras, mas respeitando os fundamentos constitucionais locais. A construção de um ambiente digital que combine liberdade de expressão com a proteção contra abusos dependerá da capacidade de integrar soluções jurídicas, técnicas e éticas, capazes de evitar a chamada “falha sistêmica” e promover um espaço digital mais seguro e plural.

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SEUS DADOS FORAM EXPOSTOS? SAIBA COMO REAGIR E PROTEGER SEUS DIREITOS

No início de julho, uma falha grave em uma empresa responsável por conectar instituições financeiras ao sistema Pix resultou em um ataque cibernético que desviou cerca de R$ 1 bilhão. O incidente comprometeu contas de liquidação junto ao Banco Central, revelando fragilidades técnicas significativas na base que sustenta o sistema de pagamentos brasileiro.

Apesar de o ataque ter se concentrado em contas operacionais entre instituições, os efeitos podem ultrapassar os limites técnicos. Falhas dessa natureza, se não forem devidamente contidas e comunicadas, geram instabilidade nos serviços, interrupções em operações financeiras e, sobretudo, riscos de exposição de dados que, utilizados de forma indevida, podem resultar em fraudes ao consumidor final.

A legislação brasileira é clara ao estabelecer a responsabilidade das empresas que tratam dados pessoais. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) determina que, havendo qualquer incidente de segurança, o controlador deve informar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sem demora. Dependendo da gravidade, também deve ser feita uma comunicação pública, de forma ampla e transparente, com medidas efetivas para contenção e mitigação dos danos.

Além disso, o titular dos dados tem o direito de saber como suas informações foram utilizadas e se houve falha na proteção. Pode, inclusive, solicitar esclarecimentos sobre o incidente, requerer cópia dos dados tratados e pedir revisão de decisões automatizadas com base nesses dados.

Ainda que o Poder Judiciário reconheça a gravidade dos vazamentos, o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça exige a comprovação de dano concreto para eventual indenização. Ou seja, não basta que os dados tenham sido expostos: é necessário demonstrar que houve prejuízo material ou moral diretamente relacionado ao incidente.

Caso o titular identifique que seus dados foram usados de forma indevida, ele pode exigir explicações da empresa, protocolar reclamação junto à ANPD e, se for o caso, recorrer ao Judiciário.

Mesmo que o impacto direto aos clientes ainda não tenha sido constatado, a obrigação de informar e agir com diligência permanece. Empresas e instituições financeiras devem reforçar seus protocolos de segurança, revisar suas práticas e manter vigilância constante. A confiança do cidadão depende não apenas da eficácia dos sistemas tecnológicos, mas da postura ética e preventiva de quem os opera. Quando esse compromisso falha, é sempre o consumidor que arca com as consequências.

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ADOÇÃO DA LGPD IMPULSIONA VOLUME DE DECISÕES JUDICIAIS NO BRASIL

Entre outubro de 2023 e outubro de 2024, o número de decisões judiciais envolvendo a Lei Geral de Proteção de Dados praticamente dobrou no Brasil, saltando de 7.503 para 15.921. Em um terço desses casos, a LGPD foi tratada como questão central, evidenciando o amadurecimento da discussão jurídica sobre proteção de dados no país.

Esse aumento pode ser atribuído a múltiplos fatores. A maior frequência de incidentes de segurança, como vazamentos de dados, tem levado titulares a buscar o Judiciário para a reparação de danos. Além disso, a atuação mais firme da Autoridade Nacional de Proteção de Dados tem impulsionado o cumprimento das normas legais e estimulado ações judiciais. A própria jurisprudência vem se consolidando, com decisões mais objetivas e previsíveis, o que encoraja novos litígios. Soma-se a isso uma população mais bem informada sobre seus direitos, especialmente no ambiente digital.

Os temas mais recorrentes nesses processos incluem indenizações por danos morais decorrentes de vazamento de dados, uso indevido de informações pessoais, campanhas publicitárias realizadas sem base legal válida, coleta e tratamento indevidos de dados biométricos em departamentos de recursos humanos, além de fraudes financeiras e golpes facilitados por falhas na proteção de dados.

Para as organizações, o caminho mais prudente é investir na prevenção. A revisão constante de processos internos, a capacitação adequada de profissionais responsáveis pela proteção de dados, a documentação de decisões e medidas adotadas, bem como o uso de tecnologias que apoiem a conformidade legal, são medidas que reduzem significativamente os riscos. A transparência com os titulares e a prontidão para auditorias externas também reforçam a confiança e podem evitar litígios.

A adoção de boas práticas jurídicas e tecnológicas não apenas reduz a exposição a processos, mas contribui para uma cultura organizacional mais comprometida com a ética digital e a responsabilidade no tratamento de dados pessoais.

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O FUTEBOL E OS BASTIDORES JURÍDICOS DO STREAMING: O QUE A FINAL DO MUNDIAL TRANSMITIDA POR INFLUENCIADORES NOS ENSINA SOBRE DIREITO DIGITAL

Durante a final do Mundial, a transmissão realizada por Casimiro, via CazéTV, atraiu milhões de espectadores e pode ter gerado, em poucas horas, uma receita superior a R$ 3,7 milhões. Mais do que um evento esportivo, o episódio ilustra com clareza a transformação radical que a chamada creator economy tem promovido no ecossistema da comunicação digital. O que antes era controlado exclusivamente por grandes emissoras, agora passa pelas mãos de influenciadores que operam com contratos complexos, audiências massivas e relevância comercial expressiva.

Esse novo cenário não é apenas tecnológico ou midiático — ele é também jurídico. Onde há audiência, monetização e dados pessoais circulando, há responsabilidades legais que envolvem diretamente o direito digital e a proteção de dados.

Do ponto de vista jurídico, algumas questões se destacam.

Contratos de transmissão e licenciamento de imagem
Influenciadores como Casimiro não transmitem jogos livremente. Há contratos com federações ou detentores de direitos, como a FIFA, que impõem regras rígidas sobre o uso das imagens, limitações de exibição, cláusulas de monetização e penalidades por descumprimento contratual. O entretenimento transmitido ao vivo é, na prática, a execução de um contrato cuidadosamente negociado.

Tratamento de dados pessoais
Quando um espectador comenta, curte ou realiza uma doação no chat, está fornecendo dados à plataforma e, potencialmente, a terceiros parceiros. Isso desencadeia obrigações previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que impõe deveres de transparência, finalidade e segurança quanto ao uso dessas informações.

Publicidade e responsabilidade sobre anúncios
A monetização no ambiente digital ocorre por meio de múltiplas frentes — publicidade automática da plataforma, contratos com patrocinadores, promoções e parcerias comerciais. Cada forma de veiculação deve seguir normas claras, tanto da própria plataforma quanto do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), sob pena de sanções.

Discurso e moderação de conteúdo
Ainda que os influenciadores não sejam os autores diretos das manifestações de seus espectadores, o canal pode ser responsabilizado por conteúdos ilícitos, discursos de ódio ou práticas abusivas veiculadas no ambiente do chat. A moderação não é apenas uma questão ética, mas também de compliance.

A transmissão da final, portanto, representa mais do que uma mudança de tela — é o reflexo de uma nova realidade jurídica que acompanha o entretenimento digital. Advogados atentos a essas transformações percebem que o campo do direito digital se tornou indispensável para a atuação estratégica em um ambiente onde comunicação, tecnologia e responsabilidade caminham lado a lado.

Dr. Lécio Machado,
Advogado Criminalista e Especialista em Direito Digital

LGPD na prática | Comunicação jurídica estratégica

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DADOS EXPOSTOS? ENTENDA SEUS DIREITOS E MEDIDAS POSSÍVEIS SEGUNDO A LGPD

Na última semana, veio a público um incidente de segurança que comprometeu uma fornecedora de tecnologia responsável pela integração de instituições financeiras ao sistema Pix. O ataque cibernético, que desviou valores expressivos de contas vinculadas ao Banco Central, revelou vulnerabilidades profundas nas engrenagens técnicas que sustentam o sistema financeiro nacional.

Diferentemente de falhas pontuais em aplicativos ou sistemas isolados, esse tipo de incidente atinge estruturas de infraestrutura que deveriam ser protegidas por padrões elevados de segurança, supervisão e governança. O acesso indevido ocorreu por meio de uma brecha explorada na integradora tecnológica, afetando diretamente contas utilizadas para liquidações financeiras entre instituições e o Banco Central.

Embora o impacto inicial tenha se concentrado em contas institucionais, é necessário reconhecer o potencial reflexo sobre usuários finais. Instabilidades em sistemas de pagamento, eventuais bloqueios operacionais e o possível comprometimento de dados transacionais são riscos que não podem ser descartados. Dados operacionais expostos, se não forem corretamente tratados após o incidente, podem ser utilizados de forma fraudulenta em outras esferas do sistema bancário.

Nessas situações, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) estabelece obrigações objetivas para as organizações envolvidas. Entre elas, está o dever de comunicar prontamente à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) a ocorrência do incidente, além de, conforme a gravidade, informar os titulares e adotar medidas para mitigar os efeitos do vazamento.

A legislação assegura ainda ao titular o direito de acessar informações sobre o tratamento de seus dados e sobre o incidente ocorrido. É possível, por exemplo, solicitar detalhes sobre a extensão da exposição, os dados afetados e as medidas tomadas para correção e prevenção. O titular também pode solicitar cópias dos dados tratados e exigir revisão de decisões automatizadas que envolvam seus dados pessoais.

Caso haja indício de uso indevido dos dados — como fraudes bancárias, abertura de contas indevidas ou empréstimos não autorizados — o titular pode apresentar reclamação à ANPD e, se necessário, acionar o Poder Judiciário para buscar reparação. Contudo, decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça indicam que a simples exposição dos dados, por si só, não gera o dever automático de indenização. É preciso comprovar um dano efetivo e o nexo com o incidente de segurança.

Diante disso, é recomendável que o cidadão que suspeita de envolvimento em um incidente de segurança:

  1. Solicite informações formais à instituição envolvida sobre a possível exposição de seus dados;
  2. Monitore movimentações bancárias e financeiras, com especial atenção a tentativas de fraude;
  3. Formalize reclamação junto à ANPD caso a empresa não forneça os esclarecimentos devidos;
  4. Em caso de dano material ou moral, avalie o ajuizamento de ação judicial com base nos direitos previstos pela LGPD.

A confiança no sistema financeiro digital repousa, em grande parte, na capacidade das instituições de prevenir, detectar e responder de forma transparente a situações como essa. O dever de proteger os dados dos cidadãos permanece, mesmo quando falham os mecanismos de segurança. E é justamente nesse ponto que os direitos do titular devem ser plenamente respeitados e exercidos.

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PLATAFORMAS DE CRIPTOATIVOS PODEM SER RESPONSABILIZADAS POR FRAUDES, DECIDE STJ

Uma importante diretriz foi estabelecida no campo jurídico brasileiro envolvendo a responsabilização de plataformas digitais que operam com criptoativos. O Superior Tribunal de Justiça confirmou a possibilidade de se aplicar a responsabilidade objetiva a essas empresas, com base no Código de Defesa do Consumidor, quando falhas na prestação de serviços permitem a ocorrência de fraudes.

O caso que originou essa orientação tratava da transferência indevida de uma quantia significativa em ativos digitais, realizada sem o consentimento do titular da conta. A empresa responsável pelo ambiente digital tentou se eximir de responsabilidade, atribuindo a fraude a fatores externos. Contudo, a corte entendeu que não foram apresentados elementos suficientes que comprovassem a robustez dos mecanismos de segurança adotados pela plataforma. Essa omissão, por si só, foi considerada como um indício de deficiência na prestação do serviço.

Ao adotar esse entendimento, o tribunal reafirma que empresas que operam em meios digitais, especialmente aquelas voltadas ao mercado financeiro alternativo, têm o dever de oferecer ferramentas eficazes para prevenir acessos indevidos e proteger seus usuários. Não basta apontar causas externas como justificativa para prejuízos sofridos pelos consumidores; é necessário comprovar a adoção de medidas técnicas adequadas e eficazes.

Esse posicionamento judicial representa um avanço na consolidação de parâmetros mais objetivos para aferição de responsabilidade nas relações digitais. A decisão também tende a influenciar outras instâncias, provocando uma reavaliação das estratégias de segurança cibernética adotadas por plataformas tecnológicas.

Para os operadores do direito e gestores empresariais, a mensagem é clara: o dever de proteção de dados e integridade das transações não pode ser tratado como diferencial competitivo, mas sim como parte da estrutura mínima esperada de conformidade. A ausência de comprovação de medidas efetivas de proteção pode configurar falha de serviço, atraindo não apenas a responsabilização civil, mas também desdobramentos de ordem administrativa e reputacional.

Empresas que atuam com ativos digitais, portanto, precisam investir de forma consistente em auditorias, protocolos de resposta a incidentes, métodos de autenticação robustos e treinamento de equipe. A jurisprudência passa a exigir mais do que promessas de segurança: requer provas concretas de que as medidas de proteção foram, de fato, implementadas e operam de maneira eficaz.

Esse entendimento também contribui para a estabilização das relações jurídicas no ambiente digital, ampliando a confiança dos usuários e promovendo um equilíbrio nas responsabilidades entre prestadores de serviços tecnológicos e consumidores. Ao delimitar as obrigações das plataformas, o Judiciário colabora para um mercado mais transparente e alinhado às normas de proteção ao consumidor e aos princípios da boa-fé objetiva.

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INVASÃO DE PERFIL NO INSTAGRAM GERA DEVER DE INDENIZAR E VIOLA DIREITOS FUNDAMENTAIS

O uso diário das redes sociais passou a integrar a rotina de milhões de pessoas e, com ele, também surgiram novos riscos. Entre eles está a invasão de contas por terceiros, que, além de perdas financeiras, a prática vem gerando a violação de dados pessoais, constrangimentos públicos e prejuízos à reputação digital dos usuários.

A perda do controle de um perfil, especialmente em plataformas populares como o Instagram, implica a possibilidade de uso indevido da identidade digital do titular. Golpes podem ser aplicados por meio da conta invadida, conteúdos inadequados podem ser publicados, e, em alguns casos, os próprios seguidores são alvo de extorsão. Essa situação traz impactos significativos, inclusive de ordem emocional, já que o vínculo com o ambiente virtual se tornou, para muitos, uma extensão da própria vida pessoal ou profissional.

Nos termos do ordenamento jurídico brasileiro, as plataformas que operam no país têm o dever de garantir o funcionamento seguro de seus serviços. A relação estabelecida entre o usuário e a empresa responsável pela rede social caracteriza-se como uma relação de consumo. Desse modo, aplica-se o regime de responsabilidade objetiva previsto no Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual basta a comprovação do defeito no serviço e do dano causado para que haja o dever de indenizar. Não se exige a demonstração de culpa, pois o risco é inerente à atividade exercida pela empresa.

Além do CDC, a Lei Geral de Proteção de Dados impõe à empresa a obrigação de adotar medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais dos usuários contra acessos não autorizados ou situações ilícitas. A falha nesse dever configura descumprimento legal e fortalece a possibilidade de responsabilização civil por parte da plataforma.

Os tribunais brasileiros vêm reconhecendo que a demora injustificada na resposta às tentativas de recuperação, a ausência de suporte eficaz e a vulnerabilidade do sistema de segurança constituem falhas na prestação do serviço. Em diversas decisões, o Judiciário tem determinado o pagamento de indenização por danos morais e materiais, mesmo sem a comprovação de culpa direta da empresa.

Para que se possa buscar reparação judicial, é essencial reunir provas que demonstrem o ocorrido. Isso inclui registros de conversas, e-mails, notificações, capturas de tela e qualquer evidência de que houve tentativa de contato com a plataforma, sem solução adequada. Também é possível solicitar que a conta seja excluída, caso não haja forma de recuperá-la, de modo a evitar o agravamento dos prejuízos.

Entre os pedidos possíveis em uma ação judicial estão a restituição do controle da conta, a exclusão do perfil comprometido, a indenização por danos morais, especialmente em casos em que a conta foi utilizada para lesar terceiros, e, quando aplicável, o ressarcimento por prejuízos financeiros decorrentes da impossibilidade de exercer atividade profissional vinculada ao perfil. Em alguns casos, pode-se ainda requerer tutela de urgência, com imposição de multa diária, para que a plataforma tome providências imediatas.

A invasão de contas em redes sociais representa uma afronta direta ao direito à privacidade, à honra e à imagem, todos assegurados pela Constituição Federal. A ausência de medidas adequadas por parte das empresas responsáveis pode gerar consequências jurídicas relevantes, cabendo aos prejudicados o exercício legítimo do direito à reparação. A manutenção da confiança nas plataformas digitais depende, em larga medida, do comprometimento dessas empresas com a proteção de seus usuários.

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CLONAGEM DE DADOS BANCÁRIOS POR VÍRUS EM CELULARES: COMO SE PROTEGER E QUAIS OS DIREITOS DO CONSUMIDOR

Foi identificado um novo tipo de software malicioso voltado à clonagem de dados de cartões de crédito por meio de dispositivos móveis. Essa ameaça digital atua de maneira sofisticada, explorando vulnerabilidades de segurança em aplicativos e sistemas operacionais desatualizados, o que tem resultado em prejuízos financeiros e violações de dados pessoais.

Sob a perspectiva jurídica, quando uma transação fraudulenta ocorre em decorrência de falhas de segurança nos sistemas bancários ou operacionais das operadoras de cartão, pode-se atribuir responsabilidade às instituições financeiras. Esse entendimento está alinhado ao que dispõe o Código de Defesa do Consumidor e à jurisprudência que trata de fraudes bancárias, reforçando a obrigação dessas entidades de garantir a proteção adequada dos dados dos clientes.

Em situações dessa natureza, recomenda-se que o titular do cartão comunique imediatamente a instituição financeira, solicite o bloqueio do cartão e formalize a contestação das transações indevidas. Além disso, o registro de boletim de ocorrência e o acompanhamento contínuo da movimentação financeira são ações recomendadas para mitigar danos.

Do ponto de vista técnico, os ataques analisados indicam a atuação de grupos organizados utilizando códigos maliciosos avançados, como o NGate, operando a partir de ambientes externos ao território nacional. Diante disso, a implementação de mecanismos de autenticação de múltiplos fatores (2FA), o uso de senhas complexas e exclusivas, e a atualização regular de softwares são práticas indispensáveis para usuários individuais.

Para o setor empresarial, soluções de resposta a incidentes e inteligência contra ameaças digitais, como EDR (Endpoint Detection and Response) e plataformas de Threat Intelligence, constituem elementos estratégicos de proteção e monitoramento preventivo.

As ações dos criminosos geralmente começam por meio de mensagens que simulam comunicações oficiais de instituições bancárias, com o objetivo de induzir a vítima ao fornecimento de dados confidenciais. É fundamental compreender que bancos legítimos não solicitam dados sensíveis por canais como SMS ou aplicativos de mensagens instantâneas. Portanto, qualquer solicitação com esse teor deve ser tratada com cautela, sendo recomendável validar a autenticidade diretamente com os canais oficiais da instituição.

Adicionalmente, a legislação brasileira, por meio da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), estabelece a obrigação das empresas em manter práticas transparentes no tratamento de dados pessoais, o que inclui a clareza quanto à coleta, finalidade e segurança das informações. Essa obrigação legal pode, inclusive, servir de base para aferição da legitimidade das comunicações recebidas por clientes e usuários.

A articulação entre medidas jurídicas, técnicas e preventivas, aliada à conscientização dos usuários, é essencial para enfrentar as ameaças digitais e fortalecer a cultura de proteção de dados no ambiente eletrônico.

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CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DO USO INDEVIDO DE DADOS EM ESTRATÉGIAS DE MARKETING

Na pressa de cumprir metas ou aumentar engajamento, muitas empresas esquecem o básico: a vontade do cliente. O consentimento, que deveria ser claro e informado, vira só mais uma caixinha marcada por padrão. E é aí que começam os problemas.

Um e-commerce que envia e-mails marketing diários para quem apenas navegou no site, sem autorizar comunicações. Um formulário de cadastro que já vem com o “aceito receber ofertas” marcado automaticamente. Ou um sistema de CRM que compartilha dados de clientes com parceiros sem nunca ter deixado isso transparente. São práticas comuns, mas que podem custar caro.

A LGPD exige que o consentimento seja livre, informado e inequívoco. Opt-ins mal configurados, com linguagem ambígua ou campos pré-marcados, podem ser considerados inválidos. Mais do que um erro técnico, isso representa uma violação ao direito do titular e pode gerar sanções administrativas e ações judiciais.

Em um caso recente, uma empresa foi acionada judicialmente após enviar mensagens automatizadas de WhatsApp com ofertas a uma pessoa que nunca autorizou esse tipo de contato. O número havia sido captado por meio de um lead comprado de terceiro, sem base legal. Resultado: indenização por dano moral e investigação pelo órgão regulador.

A automação de marketing é uma ferramenta valiosa. Mas, se usada sem respeito aos princípios da privacidade e do consentimento, transforma-se em um risco jurídico disfarçado de oportunidade comercial.

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FRAUDES NO WHATSAPP CORPORATIVO: GOLPE DIGITAL COM USO INDEVIDO DA IDENTIDADE EMPRESARIAL

Nos últimos anos, empresas de diferentes portes têm enfrentado prejuízos significativos causados por golpistas que se passam por representantes legítimos das organizações, utilizando perfis falsos no WhatsApp. Essa prática, além de comprometer a imagem da empresa, afeta diretamente seus clientes e parceiros comerciais, exigindo uma resposta jurídica firme e tecnicamente estruturada.

A primeira providência deve ser interna: é dever da empresa estabelecer normas claras de comunicação institucional. Isso inclui informar de forma ostensiva, em seus canais oficiais, quais números são utilizados para contato e atendimento, bem como orientar seus clientes sobre como identificar interações legítimas. Essa conduta não elimina o risco, mas demonstra diligência na proteção do consumidor, o que poderá ser relevante no eventual afastamento de responsabilidade civil.

Do ponto de vista jurídico, quando um terceiro se aproveita da identidade visual, logotipo ou nome empresarial para aplicar golpes, configura-se a prática de crime de falsidade ideológica, fraude eletrônica (art. 171, §2º-A do Código Penal) e, em determinadas situações, violação da marca registrada. A empresa, nesse caso, também pode ser vítima, mas não está automaticamente isenta de responsabilidade perante terceiros prejudicados.

A jurisprudência tem sinalizado que, quando há omissão por parte da empresa na adoção de medidas preventivas, como autenticação em dois fatores, uso de contas verificadas e ausência de canais seguros de denúncia, pode haver responsabilização com base no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. O Superior Tribunal de Justiça já assentou que, diante do risco inerente à atividade comercial exercida, o fornecedor deve responder pelos danos causados por defeitos na prestação do serviço, inclusive aqueles decorrentes de falhas na segurança da comunicação digital.

Dessa forma, a responsabilização pode se desdobrar em duas frentes: o golpista, que pratica o crime e deve ser identificado e processado criminalmente, e a empresa, que pode responder civilmente se restar demonstrada sua omissão ou negligência. Por isso, é indispensável manter registros das ocorrências, adotar medidas técnicas de segurança e promover campanhas educativas com clientes e colaboradores.

Empresários atentos devem tratar a gestão da identidade digital como um ativo estratégico. Investir em governança, segurança da informação e conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é uma medida que reduz riscos e fortalece a credibilidade institucional.

A prevenção começa com a informação, mas a responsabilização é construída com provas, registros e condutas coerentes com o dever de zelo.