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LGPD E SEGURANÇA DIGITAL: QUANDO A OMISSÃO EMPRESARIAL SE TRANSFORMA EM INDENIZAÇÃO

O Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento relevante ao reconhecer que a exposição de dados pessoais sensíveis, ainda que sem prova de prejuízo concreto ao consumidor, configura por si só violação indenizável. Trata-se de um marco para a proteção da privacidade no país, especialmente após a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados.

O processo teve origem em um ataque cibernético que atingiu uma seguradora e resultou na divulgação de informações fiscais, bancárias e de saúde de seus clientes. A comunicação do incidente foi feita de maneira vaga, sem explicitar os riscos efetivos nem os impactos sofridos pelos titulares. Soma-se a isso o fato de a empresa não ter comprovado a adoção de mecanismos eficazes de segurança ou de prevenção, o que pesou de forma significativa na avaliação judicial.

Na decisão, ficou assentado que a simples exposição de dados sensíveis gera risco à integridade, segurança e privacidade das pessoas. Reconheceu-se também que a responsabilidade da empresa é objetiva: não depende da demonstração de culpa direta. Assim, o dano moral passa a ser presumido, dispensando do consumidor o ônus de comprovar consequências materiais. Quando não há demonstração de protocolos de segurança adequados e de resposta efetiva ao incidente, o dever de indenizar se impõe.

Esse entendimento projeta efeitos diretos sobre a postura das empresas. Mais do que uma obrigação legal, a proteção de dados passa a ser vista como um ativo estratégico. É indispensável investir em segurança da informação, estruturar planos de resposta a incidentes, manter registros que comprovem conformidade com a lei e comunicar de maneira clara e transparente os titulares afetados em situações de violação.

Ignorar essas medidas pode significar não apenas a imposição de indenizações e multas, mas também danos irreparáveis à reputação da marca. O recado é inequívoco: a gestão responsável de dados pessoais deixou de ser opcional e se tornou parte da própria sobrevivência empresarial em um ambiente cada vez mais exposto a riscos digitais.

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VIOLÊNCIA DIGITAL CONTRA MENORES: O PAPEL DO DIREITO NA PREVENÇÃO E RESPONSABILIZAÇÃO

A presença de crianças e adolescentes na internet tornou-se parte inseparável do cotidiano. As possibilidades de aprendizado, socialização e entretenimento são inegáveis. No entanto, essa mesma presença escancara uma série de riscos que exigem respostas mais efetivas do Direito. Práticas como o bullying virtual, o aliciamento para fins sexuais e a divulgação não consentida de imagens íntimas afetam diretamente a dignidade e a integridade emocional de jovens em fase de desenvolvimento.

Dados recentes indicam que a grande maioria dos adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos utiliza a internet com frequência, muitas vezes sem qualquer supervisão de adultos. Parte significativa desses jovens relata ter vivenciado experiências negativas no ambiente digital, como insultos, ameaças e contatos com desconhecidos com intenções dúbias. Essa exposição, somada à natural vulnerabilidade da faixa etária, abre espaço para condutas criminosas que, embora previstas na legislação, ainda enfrentam obstáculos práticos à repressão e à prevenção.

O bullying praticado por meios digitais, por exemplo, pode acarretar traumas profundos e sequelas psicológicas duradouras. Embora já exista tipificação penal específica para o bullying, as condutas cometidas por meio eletrônico muitas vezes esbarram na dificuldade de identificação dos responsáveis e na apuração da responsabilidade das plataformas digitais. Já o aliciamento de menores, que consiste na abordagem de crianças e adolescentes por adultos com fins sexuais, é penalizado de forma explícita desde 2017. Ainda assim, os relatos continuam a aumentar, com destaque para os números coletados por organizações voltadas à segurança na rede.

Também é preocupante o número de adolescentes vítimas do vazamento de imagens íntimas. Embora o ordenamento jurídico contemple a punição para essa conduta, inclusive com reconhecimento da responsabilidade civil e concessão de medidas protetivas, a realidade mostra que muitos desses casos ainda são tratados com negligência, seja por falta de estrutura investigativa, seja por ausência de orientação adequada às famílias.

A atuação do Judiciário tem avançado na garantia de reparações, mas o desafio vai além do processo judicial. É indispensável refletir sobre os limites entre liberdade de expressão, privacidade e dever de proteção à infância. Os instrumentos legais como o Marco Civil da Internet e as modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente representam conquistas importantes, mas isoladas, não substituem a necessidade de uma articulação mais eficiente entre políticas públicas, escolas, profissionais da saúde, operadores do Direito e, sobretudo, famílias.

Promover a educação digital desde os primeiros anos escolares, capacitar professores, agentes públicos e responsáveis legais, além de fomentar campanhas permanentes de orientação, são medidas essenciais para que a internet seja um espaço seguro para os mais jovens. A proteção infantojuvenil no ambiente digital demanda vigilância constante e ação coordenada. Essa responsabilidade é compartilhada e deve ser assumida com o compromisso que a infância exige: prioridade absoluta.

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FRAUDES NO WHATSAPP CORPORATIVO: GOLPE DIGITAL COM USO INDEVIDO DA IDENTIDADE EMPRESARIAL

Nos últimos anos, empresas de diferentes portes têm enfrentado prejuízos significativos causados por golpistas que se passam por representantes legítimos das organizações, utilizando perfis falsos no WhatsApp. Essa prática, além de comprometer a imagem da empresa, afeta diretamente seus clientes e parceiros comerciais, exigindo uma resposta jurídica firme e tecnicamente estruturada.

A primeira providência deve ser interna: é dever da empresa estabelecer normas claras de comunicação institucional. Isso inclui informar de forma ostensiva, em seus canais oficiais, quais números são utilizados para contato e atendimento, bem como orientar seus clientes sobre como identificar interações legítimas. Essa conduta não elimina o risco, mas demonstra diligência na proteção do consumidor, o que poderá ser relevante no eventual afastamento de responsabilidade civil.

Do ponto de vista jurídico, quando um terceiro se aproveita da identidade visual, logotipo ou nome empresarial para aplicar golpes, configura-se a prática de crime de falsidade ideológica, fraude eletrônica (art. 171, §2º-A do Código Penal) e, em determinadas situações, violação da marca registrada. A empresa, nesse caso, também pode ser vítima, mas não está automaticamente isenta de responsabilidade perante terceiros prejudicados.

A jurisprudência tem sinalizado que, quando há omissão por parte da empresa na adoção de medidas preventivas, como autenticação em dois fatores, uso de contas verificadas e ausência de canais seguros de denúncia, pode haver responsabilização com base no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. O Superior Tribunal de Justiça já assentou que, diante do risco inerente à atividade comercial exercida, o fornecedor deve responder pelos danos causados por defeitos na prestação do serviço, inclusive aqueles decorrentes de falhas na segurança da comunicação digital.

Dessa forma, a responsabilização pode se desdobrar em duas frentes: o golpista, que pratica o crime e deve ser identificado e processado criminalmente, e a empresa, que pode responder civilmente se restar demonstrada sua omissão ou negligência. Por isso, é indispensável manter registros das ocorrências, adotar medidas técnicas de segurança e promover campanhas educativas com clientes e colaboradores.

Empresários atentos devem tratar a gestão da identidade digital como um ativo estratégico. Investir em governança, segurança da informação e conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é uma medida que reduz riscos e fortalece a credibilidade institucional.

A prevenção começa com a informação, mas a responsabilização é construída com provas, registros e condutas coerentes com o dever de zelo.

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DESAFIOS DA JURISPRUDÊNCIA: QUANDO UM VAZAMENTO DE DADOS GERA RESPONSABILIDADE

Em um caso recente que tem causado reflexões no meio jurídico, a Justiça de São Paulo decidiu sobre uma situação envolvendo alegado vazamento de dados por uma seguradora. Este caso chama a atenção, em particular, por levantar questões relevantes no contexto da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e seus impactos na jurisprudência brasileira.

Uma das questões era se a seguradora deveria ser responsabilizada pelo vazamento de dados de um cliente que, posteriormente, alegou ter sido alvo de estelionatários. O cliente buscou reparação por danos morais, e a questão foi, em primeira instância, decidida em seu favor, com uma indenização estabelecida.

Contudo, ao recorrer da decisão, a seguradora trouxe ao debate dois pontos fundamentais: o caráter dos dados vazados e a comprovação do dano.

O Tribunal avaliou que os dados em questão não se enquadravam no conceito de “dados sensíveis” conforme determina a LGPD. A distinção é fundamental, pois a proteção conferida a esses dados é mais ampla, e sua exposição pode gerar repercussões mais significativas. Neste caso, o entendimento foi que não houve exposição de tais dados e, portanto, não caberia a condenação da empresa nesse aspecto.

Além disso, houve um forte argumento de que a responsabilidade pela exposição dos dados não estava, de fato, com a seguradora. Invasões e vazamentos, por mais indesejáveis que sejam, não são necessariamente reflexo de falhas internas da empresa. É uma discussão que vai além da culpa e adentra a efetiva responsabilização.

O Tribunal entendeu que não houve comprovação de dano efetivo ao cliente. A tentativa de golpe alegada não teve relação direta com o incidente de vazamento, faltando assim o nexo causal entre o vazamento e o suposto dano.

No contexto mais amplo, o caso se alinha a um entendimento crescente sobre a aplicabilidade e os limites da LGPD, bem como a necessidade de uma avaliação criteriosa sobre danos morais em situações de vazamento de dados. A decisão reforça a ideia de que cada caso deve ser analisado de maneira individual, levando em consideração a natureza dos dados, as circunstâncias do vazamento e a real extensão do dano causado.