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O PAPEL DA LEI NA PROTEÇÃO DE DADOS E NO USO DAS REDES SOCIAIS

A regulamentação da mídia digital tornou-se um dos pontos mais delicados do debate público contemporâneo. A transformação promovida pelas redes sociais no convívio social, na política e na economia expôs a necessidade de atualizar o arcabouço jurídico brasileiro, especialmente diante do impacto das grandes plataformas.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020, representou um avanço significativo ao definir parâmetros para o tratamento de informações pessoais. Seus princípios centrais (finalidade, necessidade, transparência, segurança e prevenção) estabeleceram limites claros para empresas físicas e digitais. Ao mesmo tempo, asseguraram ao cidadão direitos como acesso, correção e exclusão de dados. Assim, companhias globais como Meta, TikTok e X passaram a ter a obrigação de explicar de forma acessível como utilizam informações de usuários e a responder por eventuais vazamentos.

Ainda que essencial, a LGPD não esgota os desafios das plataformas digitais. Questões como moderação de conteúdo, liberdade de expressão, transparência de algoritmos e publicidade direcionada permanecem em aberto. A legislação protege contra abusos no tratamento de dados, mas não regula de modo completo a atuação das redes sociais.

Entre os riscos sociais e jurídicos que emergem desse vácuo regulatório, destacam-se:

  • Privacidade e segurança: vazamentos e uso indevido de dados;
  • Desinformação: ausência de parâmetros que, se mal conduzidos, podem dar margem à censura ou perseguições;
  • Exploração econômica: microdirecionamento de publicidade, manipulação de comportamento e concentração de poder por parte das plataformas.

Diante disso, ganha força a ideia de um ecossistema normativo integrado, em que a LGPD se articule com o Marco Civil da Internet (2014), o Código de Defesa do Consumidor e propostas em discussão, como o PL 2630/2020 (Fake News), além dos debates sobre regulação de algoritmos e inteligência artificial.

Os pontos prioritários para uma futura regulação incluem:

  1. Transparência e moderação de conteúdo, com regras claras e garantias de defesa aos usuários;
  2. Proteção de dados pessoais, reforçando a responsabilização de redes sociais;
  3. Publicidade direcionada e algoritmos, limitando práticas de microdirecionamento político e restringindo o uso de dados sensíveis;
  4. Sanções proporcionais e relatórios periódicos, que ampliem a prestação de contas das plataformas;
  5. Educação digital e proteção de grupos vulneráveis, especialmente crianças, adolescentes e idosos.

Outro desafio relevante é o da competência jurídica. Embora as plataformas sejam globais, as leis têm alcance nacional. A LGPD, por exemplo, aplica-se a empresas estrangeiras que tratam dados de brasileiros, mas disputas sobre remoção de conteúdo ainda encontram resistência das big techs. Isso evidencia a necessidade de mecanismos mais eficazes para assegurar a aplicação do direito brasileiro.

Por fim, cabe observar que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) cumpre papel essencial na fiscalização e orientação em matéria de privacidade. No entanto, a regulação de conteúdos precisa ser conduzida em conjunto com o Congresso Nacional e outros órgãos, sob pena de desequilíbrio entre proteção do usuário e preservação da liberdade de expressão. O desafio está em construir normas que garantam segurança jurídica sem restringir indevidamente o espaço democrático de participação e debate.

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COMO O USO IRRESPONSÁVEL DA INTERNET AMEAÇA DIREITOS E RELAÇÕES

Vivemos uma era em que a conectividade digital deixou de ser apenas uma ferramenta e passou a ocupar o centro das relações humanas, econômicas e institucionais. A tecnologia, com seu poder de encantamento e eficiência, alterou a forma como vivemos, nos relacionamos e tomamos decisões. Mas é preciso reconhecer que, por trás das promessas de progresso, também se esconde um processo de corrosão ética e social que avança de modo silencioso, porém implacável.

Há uma transformação em curso que atinge não apenas os meios, mas os próprios fins das interações humanas. O comportamento virtual, guiado por algoritmos opacos, molda a personalidade coletiva e redefine valores. O culto à influência, à velocidade, ao lucro e à performance passou a ditar regras nas instituições e nas relações pessoais, empurrando para as margens aqueles que ainda zelam por princípios como lealdade, reserva, respeito e cooperação.

Enquanto isso, o ambiente digital se converte, progressivamente, em território fértil para práticas abusivas e violações de direitos. As estruturas que deveriam proteger o indivíduo tornam-se frágeis diante da sofisticação das ações maliciosas: fraudes, extorsões, espionagem, manipulação de dados, disseminação de desinformação. Não se trata mais de ficção distópica. É uma realidade com efeitos concretos, que compromete desde a integridade de sistemas de saúde até a sobrevivência de pequenos empreendedores.

O espaço virtual, inicialmente idealizado como campo aberto de liberdade e inovação, tornou-se também campo minado, onde a lógica da dominação muitas vezes se impõe à lógica do respeito. Episódios envolvendo ataques cibernéticos em instituições públicas e privadas evidenciam não apenas a fragilidade dos sistemas de defesa, mas a ausência de uma cultura sólida de responsabilidade digital. A sociedade tem sido lenta em estabelecer limites, e os custos dessa inércia estão sendo pagos com vidas, reputações e economias inteiras.

As consequências não se restringem aos prejuízos financeiros. A deterioração da confiança nas relações digitais afeta diretamente a qualidade da convivência social. Em um ambiente onde tudo pode ser forjado ou capturado indevidamente, até o pacato cidadão se vê vulnerável. E esse temor, ao invés de incentivar a cautela coletiva, tem muitas vezes sido explorado por atores que lucram com o medo, a desinformação e a instabilidade.

É necessário, portanto, um gesto de sobriedade e responsabilidade. Mais do que seguir louvando os benefícios tecnológicos, que são inegáveis, impõe-se a tarefa de refletir sobre os limites. A tecnologia não é neutra. Ela reflete escolhas humanas e precisa ser regulada com base em princípios éticos e jurídicos sólidos, que protejam a dignidade e a autonomia do indivíduo.

Ignorar esse debate significa correr o risco de assistir à erosão silenciosa das garantias mais básicas da convivência civilizada. Ainda há tempo de preservar o valor emancipador das inovações, desde que haja coragem para reconhecer os excessos e firmeza para corrigi-los. Afinal, nenhum avanço técnico justifica o abandono do senso de humanidade.

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CONTEÚDO ILEGAL E NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL: UMA NOVA DIRETRIZ PARA A INTERNET BRASILEIRA

No dia 26/06/2025, o Supremo Tribunal Federal alterou a interpretação do artigo 19 do Marco Civil da Internet. A mudança permite que plataformas digitais sejam responsabilizadas civilmente por conteúdos ilegais graves, mesmo sem ordem judicial, desde que tenham sido notificadas extrajudicialmente. A decisão foi tomada por ampla maioria e inaugura um novo entendimento sobre o papel das redes sociais na moderação de conteúdos.

A partir de agora, empresas de tecnologia devem atuar com maior cuidado ao lidar com publicações que envolvam práticas como terrorismo, incitação ao suicídio, pornografia infantil, discurso de ódio ou ataques à ordem democrática. Uma vez notificadas sobre esse tipo de conteúdo, as plataformas devem agir prontamente para removê-lo. A omissão pode gerar responsabilização jurídica, inclusive quando houver impulsionamento, uso de bots ou disseminação em larga escala.

Essa reformulação do entendimento jurídico busca oferecer uma resposta mais eficaz a condutas extremas e nocivas, sem desproteger a liberdade de expressão. O Supremo estabeleceu distinções importantes: para crimes contra a honra — como calúnia, injúria e difamação — permanece necessária a ordem judicial. Nos demais casos considerados mais graves, a notificação extrajudicial passa a ser suficiente para exigir ação das plataformas.

Ainda assim, o debate jurídico permanece sensível. Há preocupações legítimas sobre o risco de que empresas privadas se tornem árbitras do que pode ou não circular online. A própria Corte reconheceu essa tensão, indicando a necessidade de que as plataformas criem canais transparentes, publiquem relatórios periódicos e ofereçam meios adequados para contestação de decisões. O cuidado, aqui, deve ser redobrado para que a remoção de conteúdo não se torne automática ou desprovida de ponderação.

Para influenciadores, criadores de conteúdo e usuários com alta visibilidade, a mudança representa um ponto de atenção. Conteúdos impulsionados ou monetizados tendem a ser analisados com mais rigor. Isso não significa censura, mas a expectativa de que quem publica — e lucra — também compreenda os limites jurídicos da expressão online.

Este novo modelo não elimina o Judiciário da equação, tampouco entrega às plataformas o poder absoluto sobre o debate público. Busca-se um ponto de equilíbrio: agir com mais eficiência diante de conteúdos graves, sem abrir mão do direito de defesa e do controle judicial quando necessário. A proposta é objetiva: mais responsabilidade, mais transparência e menos tolerância à omissão. Todos os envolvidos — empresas, usuários e criadores — precisam agora revisar suas práticas diante de um marco interpretativo mais exigente.