Publicado em

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL EMOCIONAL E OS LIMITES DA PROTEÇÃO DE DADOS SENSÍVEIS

À medida que a inteligência artificial se integra ao cotidiano, um de seus braços mais intrigantes e controversos avança de forma silenciosa: a IA emocional. Esta tecnologia se propõe a identificar, interpretar e até antecipar estados emocionais humanos por meio da análise de expressões faciais, tom de voz, postura corporal e outros sinais biométricos. Essa capacidade, embora promissora em setores como saúde, educação e atendimento ao consumidor, levanta um ponto central para o debate jurídico e ético: como proteger a intimidade emocional das pessoas diante da coleta e do tratamento de dados tão pessoais?

A inteligência emocional das máquinas depende de dados sensíveis. Trata-se de informações diretamente relacionadas à personalidade, à saúde mental e ao comportamento do indivíduo. Em muitos casos, são extraídas sem interação direta, apenas pela leitura de uma câmera ou microfone. Quando uma ferramenta de reconhecimento facial identifica microexpressões e infere um estado emocional como tristeza, raiva ou ansiedade, está processando uma manifestação íntima, que deveria estar resguardada por um alto grau de proteção.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) é clara ao tratar dados biométricos como sensíveis. A identificação facial, quando associada à inferência emocional, aprofunda ainda mais a exposição do indivíduo. A legislação exige consentimento específico e informado para o tratamento desse tipo de dado. No entanto, na prática, muitos usuários sequer percebem que estão sendo avaliados emocionalmente por algoritmos, o que compromete a transparência e enfraquece o direito à autodeterminação informativa.

É nesse ponto que se delineia uma linha ética: até onde as empresas, os governos e as plataformas digitais podem ir ao captar emoções sem que o titular dos dados tenha plena consciência disso? Se por um lado a tecnologia pode oferecer experiências personalizadas e mais empáticas, por outro, corre-se o risco de transformar emoções humanas em ativos exploráveis para fins comerciais ou de controle social.

A proteção da identidade emocional demanda responsabilidade jurídica e sensibilidade social. A tecnologia não pode operar em zonas cinzentas, onde a ausência de consentimento consciente é justificada por promessas de eficiência ou conveniência. O uso de sistemas de reconhecimento emocional em ambientes públicos, por exemplo, requer debate amplo e regulação específica. O que está em jogo é a preservação de um espaço subjetivo que pertence exclusivamente à pessoa e que não deve ser convertido em dado, sem salvaguardas rigorosas.

Como sociedade, é fundamental reconhecer que nem toda possibilidade técnica deve se converter em prática autorizada. O avanço da inteligência artificial precisa caminhar ao lado da proteção da dignidade humana. A linha vermelha, portanto, se desenha onde termina o legítimo interesse tecnológico e começa a esfera inviolável da intimidade emocional. Nesse limite, o direito à privacidade deve permanecer inegociável.

Publicado em

USO DE IMAGENS POR INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL EM REDES SOCIAIS CORPORATIVAS

A popularização das ferramentas de inteligência artificial trouxe inúmeras possibilidades para o marketing digital, incluindo a personalização de conteúdo e a automação de processos. No entanto, ao lado dessas vantagens, surgem riscos concretos que não podem ser ignorados, especialmente no que se refere ao uso de imagens de pessoas em campanhas e publicações institucionais.

Uma das práticas mais sensíveis é o uso de rostos reais sem autorização. Seja de colaboradores, consumidores ou influenciadores, a reprodução da imagem sem consentimento pode gerar responsabilidade civil e comprometer a reputação da empresa. Não basta estar disponível na internet. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) trata a imagem como dado pessoal sensível, exigindo uma base legal específica para seu tratamento, geralmente o consentimento expresso.

O uso de ferramentas que geram ou manipulam rostos com aparência realista, como os chamados deepfakes, representa uma camada adicional de risco. Embora possam ser utilizadas para criar conteúdos criativos e envolventes, essas tecnologias também podem ser empregadas de forma antiética, inclusive na composição de vídeos ou fotos que simulam falas ou comportamentos de pessoas reais. Quando isso ocorre sem autorização, o problema deixa de ser apenas ético e passa a ter implicações jurídicas sérias.

Empresas que adotam a inteligência artificial como aliada na comunicação institucional devem estabelecer critérios claros para o uso de imagens. Isso envolve desde políticas internas até treinamentos de equipes de marketing e comunicação. Também é recomendável a revisão dos contratos com agências terceirizadas, garantindo cláusulas específicas sobre responsabilidade no uso de conteúdo gerado por IA.

A construção da confiança com o público passa, hoje, pelo respeito à identidade visual e à integridade da imagem das pessoas. Utilizar a inteligência artificial com responsabilidade não é apenas uma questão de conformidade legal, mas de respeito à dignidade humana.

A tecnologia avança, mas os princípios continuam os mesmos: transparência, ética e respeito. É por esses caminhos que as empresas devem conduzir suas estratégias digitais.

Publicado em

COMO A LGPD AFETA EMPRESAS QUE NÃO COLETAM DADOS DE CLIENTES?

A ideia de que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) só se aplica a empresas que lidam diretamente com dados sensíveis ou grandes volumes de informações de clientes ainda é bastante comum. Muitos empresários acreditam que, por não operarem ecommerces ou plataformas digitais, estão fora do alcance da legislação. Essa percepção, no entanto, precisa ser revista com urgência e responsabilidade.

A LGPD não se restringe ao tratamento de dados sensíveis nem ao setor de tecnologia. Ela se aplica a qualquer operação que envolva dados pessoais, o que inclui informações de colaboradores, prestadores de serviço, fornecedores e até candidatos a vagas de emprego. Um simples currículo arquivado já configura tratamento de dados. Uma planilha com nomes, telefones e e-mails de parceiros comerciais também.

Mesmo que uma empresa não colete dados de clientes no sentido clássico, como formulários de contato, cadastro em sites ou vendas online, ela ainda assim lida com dados pessoais em suas rotinas administrativas. E esses dados precisam ser protegidos com base nos princípios da boa fé, finalidade, necessidade e segurança previstos na LGPD.

Outro ponto pouco debatido, mas extremamente relevante, é a responsabilidade solidária prevista na legislação. Isso significa que, mesmo terceirizando operações como contabilidade, folha de pagamento ou suporte de TI, a empresa continua responsável pelo tratamento adequado dos dados compartilhados com terceiros. A LGPD exige não apenas cuidado com os dados internos, mas também diligência na escolha e fiscalização de quem os acessa externamente.

Ignorar a lei pode acarretar advertências, sanções financeiras e, mais grave ainda, danos à reputação. Empresas que demonstram cuidado com a privacidade transmitem confiança, e num ambiente empresarial competitivo, isso representa um valor concreto.

Mais do que uma obrigação legal, a proteção de dados deve ser vista como parte de uma cultura organizacional ética e respeitosa. Não se trata apenas de cumprir normas, mas de compreender o valor das informações que circulam dentro da empresa, ainda que elas não estejam na vitrine.

Desconstruir esse mito é um passo necessário para que as empresas adotem uma postura preventiva e madura. A LGPD não é uma lei distante, aplicável apenas às gigantes da tecnologia. Ela está na rotina de qualquer organização que pretenda operar com segurança jurídica e responsabilidade social.

Toda empresa, em algum momento, trata dados pessoais. Reconhecer isso é o primeiro passo para estar em conformidade e para demonstrar respeito pelas pessoas que fazem parte da sua operação.