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STJ RECONHECE VALIDADE DE PROVAS DIGITAIS OBTIDAS VIA COOPERAÇÃO COM A FRANÇA

O Superior Tribunal de Justiça, por meio de decisão da Sexta Turma, reafirmou a validade de provas digitais obtidas por autoridades francesas no âmbito de investigação internacional que envolvia o uso do aplicativo SKY ECC, uma plataforma criptografada utilizada por organizações criminosas dedicadas ao tráfico de drogas e à lavagem de capitais.

A controvérsia residia na alegação defensiva de que não teria havido autorização judicial formal na França para a extração dos dados, o que, segundo a tese, comprometeria a legalidade da prova e a preservação da cadeia de custódia. No entanto, o entendimento adotado pelo STJ seguiu uma linha jurídica consistente com os tratados internacionais de cooperação jurídica penal em vigor, particularmente o Decreto 3.324/1999, que internaliza o acordo de assistência mútua entre Brasil e França.

A Corte ressaltou que os atos investigatórios foram realizados por autoridades judiciais francesas, nos moldes da legislação daquele país. Por esse motivo, aplicou-se o princípio da lex loci diligentiae, previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), segundo o qual a validade dos atos jurídicos é aferida conforme a norma do local em que foram praticados.

A documentação correspondente foi devidamente incorporada aos autos, com amplo acesso à defesa, inclusive em meio eletrônico. Diante disso, o Tribunal afastou qualquer nulidade, destacando que não compete ao Judiciário brasileiro revisar ou invalidar atos praticados por autoridade estrangeira com base apenas em questionamentos genéricos.

Também se enfatizou que o fato de as provas conterem dados sensíveis ou sigilosos não afasta, por si só, sua admissibilidade, quando obtidas de forma legal no país de origem.

A decisão contribui para reafirmar a confiança nos instrumentos de cooperação jurídica internacional e delimita com clareza os contornos do controle de legalidade da prova penal obtida no estrangeiro, sempre com respeito à soberania e aos limites institucionais de cada país envolvido.

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A REVOLUÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS NO DIREITO PENAL

A implementação da Inteligência Artificial (IA) como ferramenta para a racionalização decisional e a automação de processos tem provocado profundas transformações na sociedade. Este fenômeno afeta diversos aspectos da vida cotidiana, desde comportamentos em mídias sociais até estratégias de marketing, passando por cultura, política e economia. A obtenção e utilização de dados pessoais tornaram-se práticas comuns, enquanto a educação digital e o entendimento dessas tecnologias ainda carecem de desenvolvimento adequado, gerando desafios significativos.

O Direito, muitas vezes visto como um mecanismo abstrato, formal e coercitivo de controle social, enfrenta dificuldades para acompanhar essa evolução rápida e constante. A modernidade líquida, caracterizada pela fluidez e instabilidade, torna o controle das novas tecnologias um desafio quase intransponível.

Cenários que outrora pareciam ficção, como aqueles apresentados no desenho animado “Os Jetsons”, estão se materializando rapidamente. Tecnologias como carros voadores, teletrabalho, reuniões por videoconferência, robôs, relógios inteligentes, impressoras 3D e turismo espacial, que antes eram sonhos distantes, agora fazem parte do nosso cotidiano. Mesmo os criadores do desenho, Hanna-Barbera, dificilmente poderiam prever a rapidez com que essas inovações se integrariam às nossas vidas.

A velocidade das mudanças sociais, como observado por Durkheim, tende a aumentar a criminalidade, tanto em períodos de depressão social e econômica quanto em épocas de grande expansão. Os crimes cibernéticos, em particular, emergem como uma preocupação central, não apenas pela quantidade crescente de incidentes, mas também pela complexidade e impacto dessas ações.

No contexto do processo penal, a realidade virtual e as tecnologias de IA estão reconfigurando o cenário jurídico. Questões que antes geravam debates intensos, como a compatibilidade do processo penal com o processo eletrônico, tornaram-se ainda mais prementes com a pandemia de COVID-19, que acelerou a adoção de audiências eletrônicas e outras inovações tecnológicas.

Imaginando o futuro do processo penal, à semelhança dos Jetsons, podemos prever a prevalência da “quebra do domicílio virtual” como uma das principais fontes de provas. Isso poderia transformar o interrogatório em um ato de confirmação de dados pré-selecionados, colocando em risco o direito de defesa e a presunção de inocência.

As implicações são vastas. A carga da prova, as garantias processuais e a análise dos elementos subjetivos do crime precisam ser reconsideradas em um contexto onde os dados automatizados dominam. A sentença penal poderia se tornar um silogismo algorítmico, reduzindo a complexidade das decisões judiciais a meros formulários pré-preenchidos.

As reavaliações automáticas de prisões preventivas, como previsto no artigo 316, parágrafo único do Código de Processo Penal (CPP), poderiam ser realizadas por softwares de IA, que analisariam perfis de presos com base em dados comportamentais e notícias de mídia. Isso nos leva a um questionamento fundamental: estaríamos retornando a uma visão determinista do crime, semelhante às teorias da Escola Positiva de Lombroso, agora apoiada por algoritmos e análises de periculosidade?

Embora a tecnologia tenha o potencial de melhorar significativamente nossa vida e o sistema penal, é crucial lembrar que o processo penal deve manter seu caráter instrumental e jurídico-científico. A adoção irrefletida de inovações tecnológicas pode resultar em um endeusamento das máquinas, transformando questões de fé em garantias processuais.

As teorias sobre o fim da internet como a conhecemos, substituída por interações algorítmicas, levantam preocupações sobre a preservação de nossas garantias constitucionais. A justiça deve permanecer humana, mesmo em um mundo cada vez mais digitalizado, pois o processo eletrônico representa vidas e não pode ser desumanizado.

Enquanto navegamos pelas águas da inovação tecnológica, devemos assegurar que nossos sistemas jurídicos se adaptem de maneira que respeite e preserve os direitos fundamentais, mantendo um equilíbrio entre eficiência e humanidade.