Publicado em

A PROTEÇÃO JURÍDICA DA PESSOA IDOSA DIANTE DE FRAUDES FINANCEIRAS

Diversas práticas fraudulentas têm sido direcionadas às pessoas idosas, acompanhando as mudanças sociais e a evolução tecnológica. Recursos como aplicativos de mensagens, ligações telefônicas e até o uso de inteligência artificial para falsificação de vozes e imagens são utilizados para enganar e dificultar a identificação das fraudes.

Entre as modalidades mais comuns estão os empréstimos consignados com cláusulas abusivas, em que valores são retidos indevidamente para seguros e tarifas não autorizadas, comprometendo a renda de aposentados. Outra prática recorrente é o estelionato emocional, no qual golpistas simulam vínculos afetivos para obter transferências financeiras. Também se destacam as falsas ligações de emergência, em que criminosos se passam por familiares em suposta situação de risco, e os contatos fraudulentos de instituições bancárias, que resultam na entrega de cartões ou fornecimento de dados pessoais.

Essas condutas demonstram como a vulnerabilidade da pessoa idosa, seja pela confiança, pela solidão ou pela falta de familiaridade com recursos digitais, torna-se alvo de exploração criminosa.

A proteção jurídica prevista em lei

A Constituição Federal, no artigo 230, determina que família, sociedade e Estado têm o dever de amparar a pessoa idosa, assegurando dignidade, bem-estar e proteção contra abusos, inclusive financeiros.

O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) reforça essa rede de proteção ao prever, entre outros pontos:

  • a garantia dos direitos fundamentais sem discriminação (art. 4º);
  • a punição a quem induz ou instiga o idoso a outorgar procuração em proveito próprio (art. 102);
  • a responsabilização criminal de quem se apropria ou desvia rendimentos, com pena de até quatro anos de reclusão (art. 104).

No âmbito do consumo, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) assegura instrumentos de defesa contra contratos bancários irregulares. O art. 39, IV, veda a imposição de serviços vinculados não autorizados, e o art. 6º, VIII, garante a inversão do ônus da prova em favor do consumidor idoso, reconhecendo sua condição de hipervulnerabilidade.

Repercussões penais

O Código Penal, em seu artigo 171, tipifica o estelionato, abrangendo fraudes patrimoniais como as mencionadas. A Lei nº 13.228/2015 ampliou a proteção ao prever aumento de pena quando o crime é praticado contra pessoa idosa, podendo chegar ao dobro.

Além do estelionato, outras tipificações podem incidir, como a apropriação indébita (art. 168 do CP) e as condutas descritas no Estatuto do Idoso. O sistema jurídico brasileiro, portanto, dispõe de mecanismos que buscam coibir tais práticas e responsabilizar seus autores.

Em 2024 foram registradas mais de 21 mil denúncias de violações contra idosos, com predominância de vítimas do sexo feminino. Os golpes não se restringem à perda financeira: representam uma violação da dignidade, da autonomia e da segurança de quem já construiu sua trajetória de vida.

A legislação oferece instrumentos relevantes de proteção, mas sua efetividade depende da conjugação de esforços. É necessária a atuação conjunta de famílias, sociedade, instituições financeiras e poder público na promoção da educação digital, na prevenção de fraudes e no incentivo à denúncia.

Proteger a pessoa idosa significa mais do que cumprir dispositivos legais: é um dever ético e social que reafirma valores de respeito, solidariedade e humanidade.

Publicado em

O PAPEL DO ENCARREGADO DE DADOS NA CONFORMIDADE E NO USO RESPONSÁVEL DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

O debate sobre a regulação da inteligência artificial (IA) no Brasil ganhou novo fôlego com o Projeto de Lei nº 2.338/2023, que busca alinhar o desenvolvimento tecnológico à centralidade da pessoa humana. Entre os pontos de maior destaque está a atribuição à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) da coordenação do Sistema Nacional de Regulação e Governança de Inteligência Artificial (SIA), consolidando seu papel como referência regulatória.

O ecossistema regulatório da IA

De acordo com o projeto, o SIA deverá funcionar como um ambiente de cooperação entre autoridades setoriais, órgãos reguladores e outros sistemas nacionais, sem subordinação hierárquica, mas com a finalidade de garantir uniformidade e segurança jurídica. A lógica repete, em parte, o que a própria LGPD já previu ao designar a ANPD como autoridade central em proteção de dados.

Paralelo com a LGPD e programas de governança

A comparação com a LGPD é inevitável. O artigo 50 da lei estabelece diretrizes de boas práticas e programas de governança em privacidade, exigindo de controladores e operadores medidas para demonstrar compromisso com a proteção de dados. A Resolução CD/ANPD nº 18/2024 reforça esse ponto, ao incumbir o encarregado de dados da função de apoiar e orientar os agentes de tratamento na implementação dessas práticas.

Embora não seja responsável direto pela conformidade, o encarregado desempenha papel estratégico, prestando assistência em decisões organizacionais e ajudando a estruturar uma cultura de governança. Esse modelo encontra respaldo no Regulamento Europeu (GDPR), no qual o encarregado também atua como figura de controle, sem responsabilidade legal direta, mas com relevância prática para a conformidade.

Possíveis funções do encarregado frente à IA

O Projeto de Lei nº 2.338/2023 não prevê, até o momento, uma figura equivalente ao encarregado da LGPD para os agentes de inteligência artificial. No entanto, ao exigir que desenvolvedores e aplicadores de IA adotem programas de governança e mecanismos de autorregulação, abre espaço para que profissionais já envolvidos na governança de dados assumam protagonismo também na conformidade da IA.

Assim como ocorre no tratamento de dados pessoais, a contribuição do encarregado pode se mostrar valiosa na orientação interna, na prevenção de riscos e na harmonização de práticas éticas. O Guia Orientativo da ANPD publicado em 2024 deixa claro que a função é de assessoria estratégica, sem competência decisória, mas com responsabilidade de apoiar processos multidisciplinares para garantir a proteção de direitos fundamentais.

Governança integrada: dados e inteligência artificial

A transição para um ambiente regulatório que abrange tanto a proteção de dados quanto a governança da inteligência artificial tende a reforçar o papel do encarregado como profissional de referência. Para além da LGPD, sua atuação pode se expandir para a supervisão ética e técnica do uso de sistemas de IA, especialmente quando esses sistemas dependem do tratamento massivo de dados pessoais.

Ao unir ética, independência técnica e responsabilidade institucional, esse profissional poderá consolidar-se como elo de confiança entre organizações, reguladores e sociedade, contribuindo para a construção de um ecossistema regulatório mais robusto e responsável no Brasil.